Quase metade dos universitários brasileiros conhecem casos de alunas que sofreram violência sexual no ambiente acadêmico


Pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular, intitulada ‘Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário’, mostrou que 25% das estudantes universitárias já foram xingadas ou agredidas por terem rejeitado uma investida nas dependências das universidades ou em festas acadêmicas, competições e trotes. De 1.823 universitários de ambos os sexos, 46% conhecem casos de alunas que sofreram violência sexual no ambiente acadêmico, das quais 11% sofreram tentativa de abuso enquanto estavam sob o efeito do álcool. Segundo a Lei 10.224/2001, assédio sexual é o ato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. No entanto, a promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH) do Ministério Público estadual, explicou que já existem posicionamentos doutrinários que entendem que há assédio sexual para além da hierarquia entre o assediador e a vítima, podendo ocorrer de forma ascendente, descendente ou até mesmo quando ambos ocupam a mesma posição hierárquica na instituição. “Comumente falamos da hierarquia professor/aluno, mas também há casos de assédio de um aluno com outra aluna, e professor contra outra professora, por exemplo”, afirmou a promotora.

No mês passado, as estudantes Coletivo Madás’, grupo criado há dois anos por alunas do curso de Direito da Universidade Federal da Bahia (FDUFBa), lançaram a campanha ‘Chega de Assédio na FDUFBa’, e lançaram uma enquete que contou com a participação de 179 mulheres, entre alunas, professoras e servidoras da universidade. A pesquisa revelou que mais da metade delas não se sentem seguras na faculdade e mais de 60% já presenciaram alguma situação de assédio neste ambiente. A enquete fez parte de uma discussão ampla sobre assédio na Instituição, que culminou na realização de um evento no último dia 10. “Os dados mostram uma triste realidade. A universidade pode ser por um lado um espaço de formação e de conhecimento, mas por outro lado é um local de medo e de violência, sobretudo para as mulheres. As universidades precisam olhar para essa violência e enfrentar o que foi encoberto por muitos anos”, destacou a promotora de Justiça Márcia Teixeira.

Infelizmente, esse cenário da FDUFBa não é isolado. No dia 7 de julho deste ano, o MP baiano ajuizou uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa cumulada com pedidos de danos morais e de indisponibilidade de bens contra o ex-professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Alex Sandro Macedo Almeida, que lecionava no campus 18, em Eunápolis. Ele é acusado de assediar sexualmente alunas e professoras e de praticar atos atentatórios contra a integridade moral das mesmas, ferindo, assim, os princípios da legalidade e da moralidade. Na ação, o promotor de Justiça Dinalmari Mendonça Messias pediu à Justiça que o ex-professor seja condenado a ressarcir o dano moral causado à Universidade, no valor de R$ 150 mil, e tenha seus direitos políticos suspensos de três a cinco anos, com base no art. 12, III, da Lei 8.429/91, que regula as sanções aplicáveis aos agentes públicos. O promotor de Justiça afirmou que o comportamento do ex-professor Alex Sandro, exonerado após processo disciplinar da Uneb, é incompatível com a dignidade exigida pelo cargo.

O que fazer em casos de assédio nas universidades

Estudantes de diversas universidades vêm procurando o Gedem e o CAODH para buscar as orientações que devem ser tomadas nos casos de assédio, com o objetivo de que os casos sejam apurados e os agressores punidos. A promotora de Justiça Márcia Teixeira alertou que as alunas que sofreram assédio precisam procurar imediatamente o departamento específico nas universidades para que seja aberta uma comissão de sindicância e/ou procedimento administrativo disciplinar para a realização das investigações necessárias até o final afastamento e exoneração do assediador, de acordo com as normas de cada instituição. Além disso, devem procurar uma Delegacia da Mulher e registrar o crime para que seja instaurado um inquérito policial. Devem também procurar o Grupo de Atuação em Defesa da Mulher (Gedem), que nos últimos dez anos já atendeu mais de 25 mil mulheres vítimas de violências diversas, ou o Ministério Público da cidade onde o assédio tenha ocorrido. Os casos no âmbito estadual serão apurados pelo Ministério Público da Bahia e os de âmbito federal encaminhados aos órgãos competentes. “Caso a universidade seja pública, além das providências administrativas e criminais, o acusado poderá sofrer as sanções da Lei de Improbidade Administrativa, pelo fato ser um agente público. O promotor de Justiça fará ainda toda a orientação jurídica às vítimas de assédio, bem como acompanhar o inquérito e fazer o encaminhamento para as redes de proteção que atendem mulheres vítimas de violência”, destacou.

A promotora ressaltou a importância das instituições de ensino superior instituírem comitês, ouvidorias ou observatórios, locais de acolhimento para que as estudantes, professoras e funcionárias possam denunciar os casos de assédio e estupro, e tenham a garantia do sigilo das informações. “Também é importante a realização de campanhas e a apuração imediata de todos os casos denunciados para construímos uma nova ética nas universidades”. Em recente visita ao MP, o reitor da Uneb, José Bites de Carvalho, convidou o Ministério Público a integrar, juntamente com as secretarias estaduais de Educação (SEC), de Políticas para as Mulheres (SPM), e de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), dentre outros órgãos, uma comissão para criação do ‘Observatório de Assédio e da Violência contra a Mulher’ na universidade. Na ocasião, também foi discutida a renovação do ‘Termo de Cooperação Técnica’ com o MP, firmado desde 2012, ampliando as ações de cooperação entre as instituições, com o objetivo de fortalecer a rede de proteção às mulheres e promover cursos de treinamento em sexualidade, gênero e direitos humanos, dentre outros projetos.

Caso UFBa

Sensibilizados com o que ouviram no encontro organizado pelo Coletivo Madás, no dia 10 deste mês, os Departamentos de Direito Público e Privado da Faculdade de Direito da UFBa promoveram na manhã de ontem, 22, uma mesa-redonda com a promotora de Justiça Márcia Teixeira e o psicólogo Rafael Cerqueira, analista do Gedem, sobre o tema ‘Assédio sexual, assédio moral e discriminações no ambiente universitário’. O evento contou com a participação de alunas, professoras e funcionárias da Instituição, além de representantes do Coletivo Madás.

Informações da Cecom/MP- BA