Sul da Bahia receberá Jardim Botânico de Serra Grande


Reportagem | Por Anna Karenina Vieira.

A notícia da criação de um Jardim Botânico no Sul da Bahia, na Vila de Serra Grande, município de Uruçuca, foi recebida com entusiasmo pela comunidade local no viveiro do Instituto Floresta Viva (IFV), na última semana. O anúncio, em tom de diálogo e participação comunitária, foi feito pelo Presidente do IFV, Rui Rocha, idealizador do projeto, que conta com o apoio da Human Network do Brasil (HNB).

Situado em uma das últimas áreas de Mata Atlântica existentes no Brasil, o Jardim Botânico de Serra Grande (JBSG) propõe tornar a região um polo de valorização, irradiação e reverência da grande paisagem existente, onde já é realizado um trabalho de produção de 50 mil árvores por ano e de 140 espécies diferentes de árvores da flora brasileira. Em data posterior, nova apresentação será realizada com maior amplitude e chamamento para outros setores sociais do Sul da Bahia.

Conhecida por botânicos de todo o mundo, a região de Serra Grande compõe uma flora das mais biodiversas do planeta, já tendo alcançado o recorde mundial de biodiversidade na década de 90. Mais de 450 espécies de árvores foram identificadas em apenas 1 hectare na Fazenda Caititu, situada a cerca de 7 km de Serra Grande no sentido de Itacaré, em um estudo realizado em 1992 pelo Jardim Botânico de Nova York e a CEPLAC. Esse recorde de biodiversidade, na época, ajudou a proteger a mata atlântica do Brasil, uma vez que fundamentou o Decreto nº 750 de 1993, e, depois, a lei da mata atlântica, em 2006, sendo um marco de 27 anos de importância histórica-ambiental para o Brasil.

“Quando nos propomos a fazer o JBSG, estamos a reconhecer um jardim que já existe, a base da vida desse lugar. A nossa presença se justifica no sentido de cuidar, melhorando nosso impacto na região, fazendo com que esse jardim natural que já existia, seja valorizado, reconhecido e estudado por todos nós”, explicou o Presidente da IFV, Agrônomo e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Rui Rocha.

“O fundador da Human Network do Brasil, Michael Eckes, amante da natureza e como uma das instituições apoiadoras junto ao IFV, destinou ajuda financeira para o JBSG em virtude da consciência ambiental-ecológica para a vida humana e dos ecossistemas, sobretudo por acreditar e confiar no trabalho do IFV, realizado ao longo desses anos na região. Fazer com que o reflorestamento seja compreendido e praticado pela comunidade, é um dos principais propósitos da HNB, com este apoio”, declarou a representante da HNB, Jussara Antunes.

A área de abrangência do jardim considera o entorno da Vila de Serra Grande, principalmente entre o Rio Sargi e a barra do Rio Tijuípe, sendo o Parque Estadual Serra do Conduru, o coração, inclusive o corredor ecológico Ilhéus-Itacaré, como fronteiras naturais de influência, na valorização da paisagem, um território de cuidado, irradiação e influência que pode ser desenvolvido. Essa fronteira pode se alargar para relação com cidades vizinhas, como Itabuna, é o que explicou a equipe do Instituto Floresta Viva.

A ideia é que agricultores e proprietários de imóveis situados no corredor ecológico, ao visualizarem a paisagem botânica existente como una, se reconheçam como elos interconectados e partes do JBSG. “Se isso for acolhido, as áreas podem ser visitáveis como parte do jardim e, assim, outros agricultores que queiram trazer visitantes para conhecer seus sítios, vão poder mostrar a coleção de plantas que possuem. O primeiro mapa vai incorporar quem se associou ao JBSG em 2019 e 2020. Em 2022, já teremos outro mapa do JBSG com outra concepção, à medida que as pessoas forem aderindo ao jardim”, explicou o Presidente do IFV, Rui Rocha.

PLANO DE TRABALHO – Segundo o plano de execução apresentado no encontro, o JBSG começa com o reconhecimento e consolidação do viveiro do IFV, de 12 hectares, como jardim botânico visitável, seguido por uma proposta de embelezamento da região, reflorestamento e arborização urbana a serem acolhidos pela comunidade de Serra Grande e Prefeitura de Uruçuca. Melhorias paisagísticas no viveiro do IFV, na entrada da Fazenda Caititu – onde se pretende compor uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e uma área de 30 hectares como perímetro exclusivo e permanente de pesquisa e monitoramento – bem como destinação de mudas para a arborização e jardinagem de praças e avenidas de Serra Grande, integram o plano de trabalho.

Situado ao lado da Vila de Serra Grande, o viveiro do IFV possui 12 hectares, sendo 6 hectares de floresta, com cerca de 1500 árvores matrizes catalogadas e identificadas, além da multiplicação de plantas da região com produção regular de 50 mil a 100 mil mudas por ano, diversidade de 80 a 140 espécies de espécies, realização de pesquisas, uma Escola da Floresta com formação de mateiros e guias locais, e pequena coleção de excicatas (amostra de plantas) com os herbários da UESC, UFSB e CEPLAC.

O projeto, objetiva que a ideia do jardim possa ser abraçada pela comunidade da Vila de Serra Grande, de modo a agregar conteúdos botânicos de educação ambiental como placas de identificação de árvores temáticas nativas, no reflorestamento dos rios e de áreas degradadas da região, tratamento paisagístico dos três lagos situados em Serra Grande, melhoria em áreas como na entrada do Sargi e na região do posto de gasolina.

A comunidade recebeu de forma positiva a ideia, com propostas e considerações para a construção do novo lugar. Fizeram-se presentes no encontro os moradores e nativos de Serra Grande, pesquisadores e docentes de Universidades como a UESC, a Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Estadual de Feira de Santana (UEFS), estudantes universitários, representantes e gestores de instituições como o Parque Estadual Serra do Conduru, APA Itacaré-Serra Grande, Projeto Baleias de Serra Grande, Caminho das Ervas, Associação dos Produtores Rurais de Serra Grande, Associação Beira Rio da Ribeira, Human Network do Brasil, Movimento de Resistência Boto Negro, Associação Comunitária Taboa, Espaço de Desenvolvimento Social e Humano Canto da Mata, Escola da Madeira, colaboradores, conselheiros e pesquisadores do IFV, além de diversos profissionais ligados às ciências naturais, exatas, humanas e área da saúde.

O encontro, que contou com uma explanação sobre a história dos jardins botânicos no mundo, também foi marcado com a presença do biólogo Jomar Jardim e a peculiar apresentação que realizou da planta goetéia, cientificamente nominada de pavonia sessiliflora. O biólogo explicou que durante as excursões científicas de viajantes europeus pela Vila de Ilhéus no século XIX, como as do príncipe e naturalista Maximiliano de Wied-Neuwied e dos naturalistas alemães Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich Philipp von Martius, a goetéia provavelmente foi coletada e cultivada no Jardim Botânico de Berlim, na Alemanha.

“Toda vez que tinha alguma visita oficial do Brasil à Alemanha, os alemães davam a goetéia como presente e em homenagem ao Brasil. Foi uma planta que por muito tempo ficou escondida pela ciência. Essa planta aparecia em São Paulo, Rio Grande do Sul, menos na Bahia, mas é nativa da Bahia e, provavelmente, só tem essa população no Parque Municipal da Mata da Esperança, em Ilhéus. Ou seja, é uma planta raríssima na natureza. Eu, pelo menos com minha experiência de mais de 20 anos de coleta no Sul da Bahia, como mateiro e cientista, jamais vi essa planta em outro lugar. Com as flores que ela tem, qualquer botânico iria enxergar. Esse tipo de resgate é uma aula para as crianças e adultos de como a gente desconhece essa natureza tão diversa, de raridades como essa que temos aqui na nossa região”, destacou o biólogo Jardim.

De acordo com a gestora de projetos do IFV, Marguerite Bardin, “fomentar a economia local também é outro objetivo do jardim botânico. Queremos apoiar mais uma área de desenvolvimento para a comunidade, empregando e treinando profissionais de restauração florestal, guias de turismo, paisagismo, criação de mudas, bem como participar da vocação turística da vila, atraindo turistas para Serra Grande, propiciando geração de renda com acomodação, restaurantes, atividades e artesanato”.

O JBSG visa, inclusive, promover espécies nativas importantes para a segurança alimentar, como o aipim e a mandioca, além da produção de mudas de espécies de árvores ameaçadas de extinção, o cultivo e multiplicação técnica de plantas medicinais e ornamentais como helicônias, gravatás, orquídeas etc, de modo a propiciar uma conexão com Ilhéus, Itabuna, Salvador e outros centros urbanos.

O colaborador de restauração e paisagismo do IFV, Juscelino Santos, explanou que nos últimos três meses, já foram realizadas ações como construção de trilha para educação e pesquisa em mata da Fazenda Caititu, com mapeamento, identificação e inventariamento de árvores matrizes para possível coleta de sementes, com o fim de realizar a reprodução e plantio de novas árvores para o JBSG, plano para embelezamento da entrada da Caititu com retirada de velho coqueiral para recomposição com palmeiras nativas, bem como apresentação de estudo paisagístico preliminar para espaço de reunião e coleção de plantas, numa visão paisagística natural e culturalmente concebida, para visitação e uso da comunidade. O plano de execução também visa acoplar o segundo mirante de Serra Grande à área de influência do JBSG, por meio de placa sinalizadora do jardim botânico, de modo a agregar a visão marítima e bioma marinho ao todo paisagístico proposto.

ADEQUAÇÃO – De acordo com as informações apresentadas na reunião, a formalização do JBSG passará por uma autodeclaração, associação futura à Rede de Jardins Botânicos do Brasil e, muito possivelmente, ao Jardim Botânico de Nova York, onde está sendo amadurecido um trabalho de cooperação científica na linha de espécies ameaçadas.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) estabelece que jardins botânicos devem ter casas de vegetação, ambientes naturais preservados, trabalhos de pesquisa, educação, espaços recreativos e coleções botânicas com propósitos diversos. Nestes quesitos e conforme as normas de jardins botânicos no Brasil, o atual viveiro do IFV já reúne todas as condições para constituir um jardim botânico.

A combinação de características do viveiro do IFV e trabalhos desenvolvidos, somados à rica biodiversidade da região, reúnem elementos fundantes para a constituição do JBSG. Fazer com que o conhecimento da mata seja recuperado, com a realização de cursos, ambiente de educação e valorização da floresta, resumem o JBSG, lugar em que #somostodosjardineiros.