Entre o legal e a moral: o transporte alternativo em Ilhéus.


Por Reinaldo Soares*

REINALDO SOARES FOTO DIVULGAÇÃONo dia 03 de abril, publiquei neste Blog um artigo intitulado “Em momento de desemprego, governo municipal tenta criminalizar trabalhadores”, onde chamava atenção da posição política do Governo Municipal de tratar os trabalhadores do transporte alternativo como criminosos.

Há mais de vinte anos o transporte alternativo tem sido tratado pelas Gestões Municipais como caso de polícia, em vez de ser tratado de forma séria com políticas públicas que permita o cadastramento e regulamentação dos seus agentes. Se existe o alternativo, é porque o “oficial” não atende satisfatoriamente a população.

Presenciamos nas últimas semanas uma força-tarefa formada pelo Ministério Público Estadual, Governo Municipal e ilegalmente coordenada pela Polícia Militar que estranhamente tem agido com força extrema e desnecessária na prisão de veículos e pais de família que tem no transporte alternativo sua fonte de sobrevivência.

No estado democrático de direito as instituições e pessoas são submetidas a um arcabouço de normas que norteia e regulamenta a vida social. O estado contratualista estabelece um acorde entre governantes e governados, cabendo aos primeiros governar em atendimento aos desejos e necessidades dos governados.

Fazendo parte desse estado democrático de direito, o município de Ilhéus tem na Lei Orgânica Municipal, a base normativa principal que rege o município. No capítulo XVIII da LOM que trata do transporte coletivo urbano e rural é definido no Art. 269: O transporte coletivo de passageiros, atividades de caráter público indispensável, é um serviço público essencial, sendo de responsabilidade do Poder Executivo Municipal o planejamento, fiscalização e a operação ou concessão das linhas…

Do ponto de vista legal as duas empresas de transporte coletivo estão juridicamente legais e o transporte alternativo ilegal. E do ponto de vista moral, como está essa correlação? Podemos fazer uma avaliação moral dessa situação? Se a filosofia do direito defende que as leis são resultados dos contextos sociais, culturais e morais, logo, o transporte alternativo não deve ser avaliado apenas na premissa de um direito meramente positivista.

No mesmo art. 269 da LOM, são estabelecidas as condições para execução dos serviços de transporte público sobre a concessão do Poder Público Municipal. Vejamos:

I – definição da modalidade.  Significa que o Executivo e o Legislativo podem definir a modalidade de transporte que melhor atenda a população, sendo assim, em vez de restringir, deve-se ampliar.

II – tipo de veículo a ser utilizado. Seja ônibus, micro-ônibus, Vans ou automóveis, o poder público tem a prerrogativa de definir.

III – a freqüência do serviço e o horário de atendimento – Este é um dos itens que faz o transporte alternativo serem procurado pelos ilheenses. Não há por parte da Prefeitura/SUTRANS, controle, transparência e divulgação sobre os horários que os ônibus passarão para a comunidade se programar. Dependendo do local e horário, chega-se a esperar mais de uma hora por um ônibus. As linhas são definidas mais para atender as empresas do que os usuários. Quem reside em alguns distritos fica impossibilitado de estudar e trabalhar a noite na sede por ausência de linhas.

IV – padrões de segurança e manutenção– Alega-se que os veículos do transporte alternativo não são seguros.  Obedecendo ao critério de segurança e qualidade ao usuário, constatam-se na frota das empresas, ônibus com mais de cinco anos de fabricação que não oferece nem segurança muito menos qualidade aos usuários. Ônibus que não traz segurança para o condutor e os usuários.

No último dia 15 o governo das ilusões publicou uma nota pública intitulada GOVERNO CONTRA O TRANSPORTE ALTERNATIVO. Sem espírito público e insensível a população, a nota demonstra a essência desse desgoverno. Vejamos as justificativas do governo para perseguir o transporte alternativo:

  • As estatísticas revelam que setenta por cento (70%) dos deslocamentos são realizados por ônibus ou táxis. Um governo comprometido com a população não deve se preocupar com parte dela, mais com o todo. Quem é os 30% que não utiliza os ônibus e táxis? Dos 70% que andam qual o grau de satisfação? Pesquisa de consumo interno tem revelado que a insatisfação dos usuários de ônibus é alta.
  1. …os operadores regulares recolhem (empresas), em dia, aos cofres públicos, todos o tributos incidentes sobre a atividade que exercem por delegação do Poder Público. Recentemente o Governo Municipal reduziu o ISS das empresas de 5% para 2%, sem isso refletir na redução do valor das passagens e na qualidade dos ônibus. Na medida em que o transporte alternativo for regulamentado, mais arrecadação terá o município.
  2. … o transporte clandestino se caracteriza pela informalidade e ilegalidade os motoristas envolvidos na clandestinidade não são habilitados para o transporte coletivo, por não serem portadores de CNH categoria “D”. Essa situação será resolvida quando o governo regulamentar o seguimento e exigir dos proprietários e condutores requisitos necessários. É muito cômodo para o governo não abrir espaço de diálogo e propor uma solução moral e legal. Cabe também a Câmara de Vereadores, como casa do Povo, assumir o protagonismo com um projeto de Lei, o que nesses anos não foi feito.
  3. … o serviço de transporte de passageiros é de caráter “essencial”, sempre precedido de licitação na forma da lei, diferentemente do transporte dito “alternativo”. Essa afirmação não é totalmente verdadeira, uma vez que no 275 da LOM poderá haver autorização do transporte alternativo por delegação precária.
  4. O transporte clandestino desestabiliza o sistema de transportes oficial e prejudica os usuários como um todo… O transporte alternativo existe justamente por que o transporte oficial não consegue atender com segurança e qualidade os ilheenses. São os usuários que buscam o transporte alternativo. Na lei de mercado, a livre escolha do consumidor é um princípio essencial.

A nota pública do governo encerra justificando que o combate ao transporte alternativo se justifica como principalmente pata fazer cumprir o Contrato de Concessão entre o Município e os operadores oficiais e resgatar  a autoridade do Poder Municipal  e a dignidade das leis que regem os sistemas de transporte coletivo regular.

Diante de tais justificativas, esperamos que o mesmo empenho no cumprimento do contrato, ocorra também na parte das empresas para os usuários. Quanto ao resgate da autoridade do governo, parafraseio o filósofo e matemático alemão Georg Lichtenberg,“quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. Na Democracia, a autoridade se consegue por respeito e não por força.

*Reinaldo Soares é Mestre em Cultura e Turismo pela UESC/UFBA, Membro do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro- PRTB. Diretor do IBEC, Ex Presidente do Conselho Municipal de Educação de Ilhéus, Palestrante, Professor do Colégio Estadual Padre Luis Palmeira e da Pós-Graduação da FACSA/IBEC. E-mail: [email protected]

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