A Súplica de Neymar


Artigo de Anna de Oliveira

Barcelona-Juventus-Campeoes-Neymar-StollarzAFP_LANIMA20150606_0135_54-620x334No último sábado, o sexto dia do mês de junho, pude assistir o segundo tempo do jogo que decidiu a final da Liga dos Campeões de 2015, disputada entre o time espanhol, o Barcelona, e o italiano Juventus.

Entre tantas jogadas, as lentes de transmissão buscaram registrar as investidas do bonito futebol de Lionel Messi, e, os olhos dos brasileiros, naturalmente, estavam também muito voltados para os lances que Neymar participava. [Afinal, já é consagrada a ideia de que o brasileiro é apaixonado por futebol. O que eu particularmente entendo que isso não deveria ser assim tão massificado. Existem outras coisas não?, para se apaixonar em um país, além do futebol – que já é uma paixão mundial. Não deveria ser nosso carro chefe, penso, nem o carnaval].

Mas um lance, entre as tantas emoções de uma disputa acirrada, me chamou a atenção. Quando cruzaram a bola para Neymar, o mesmo cabeceou e fez o que seria o terceiro gol contra o Juventus. Nesse momento fiquei alegre por ver um brasileiro em um grande time, com grandes jogadores, sendo bem sucedido no que faz. Mas rápido foi o sobressalto da torcida na vibração acalorada. Em meio à comemoração performática do craque, o juiz anulou o lance, já que a bola bateu na mão de Neymar antes de entrar no gol.

E foi exatamente aí que eu fiquei observando, a indignação do brasileiro em campo, angustiado pelo, até então, suposto mal injusto. Ele implorava, quase de joelhos, que foi um lance limpo, sem infrações. Eu realmente acreditei que Neymar estava certo, que ele fez o gol e foi legal, e que o juiz estaria equivocado. A súplica de Neymar me comoveu, menos ao juiz, que não voltou atrás de sua arbitragem.

Na hora pensei, “justo na hora que Neymar faz o gol, o juiz anula”. Mas as lentes da câmera não deixaram o juiz mentir, e, de fato, a bola pegou na mão. Nesse momento pensei cá comigo, “mas parecia tão verdadeira a súplica de Neymar”.

Depois Neymar fez outro gol e, sim, desta vez foi válido. Lavou a alma dos brasileiros. Será?

O jogo passou, o Barcelona ganhou e Neymar continua espalhando seu brilho de estrela no mundo, no Brasil. Hoje, na hora do almoço, pude ver a narrativa esportiva sobre este jogo. O repórter, descrevendo o suplício do jogador brasileiro quando fez o gol de mão com a cabeça, disse que o craque não queria perder a oportunidade de fazer o gol dele no Barcelona em uma grande final como a Liga dos Campeões. Como se fosse válida, justificável e aceitável a atuação farsante do brasileiro. E daí foi que eu decidi escrever este artigo.

O que quero dizer com tudo isso, é que os meios de comunicação, a sociedade, as pessoas, os artistas, os jogadores, os formadores de opinião, – sem generalizar – estão legitimando cada vez mais o comportamento do oportunismo, de tal modo que incorporam e inserem uma ordem moral invertida, sutilmente, forjando como se natural fosse, normal.

Quando constatei que realmente foi mão, e lembrei da cena que o Neymar empreendeu, implorando, quase que como uma criança indignada pelo mal injusto, eu senti vergonha de ser brasileira. Não porque eu considere que Neymar me represente, mas por que representa o futebol brasileiro, e que, consequentemente, representa o Brasil – exatamente porque assim a sociedade admite, considera e reproduz, por eleger o futebol como ícone identificador do país.

Fazendo uma reflexão sobre esse “lance” e as nuances intrínsecas ao contexto, me deparo com as divagações: “mas no futebol é assim mesmo. Os jogadores trapaceiam, batem, puxam a camisa, derrubam, dão soco, buscam, custe o que custar, tirar proveito do que podem e do que não podem. Neymar fez o papel dele, e o papel dele é esse, ser um ator implacável: implorar em cadeia internacional, descaradamente, e alegar que a bola não pegou na mão, como se titular do sono dos justos ele fosse”.

Mas aí eu penso por outro lado: mesmo que ele faça o papel dele, há necessidade de ser tão dramático assim? Mesmo sabendo da capacidade milimétrica da transmissão audiovisual, com todas as lentes do mundo registrando cada gota de suor?

É honroso para a pessoa, na condição de craque, mascarar um ato que ele sabe que cometeu e negar descaradamente, com o mundo inteiro te filmando? Ciente da falta, Neymar que ficasse quieto, sem teatro. Mas esse é o retrato do Brasil que Neymar representou com fidedignidade: mentir até não poder mais.

Então concluo: que a pessoa, ou que seja, o jogador, mesmo que deva ser astuto dentro das regras do jogo para ser bem sucedido, não tem necessidade de ser hipócrita e mentir deslavadamente em cadeia internacional. E tão pouco, os brasileiros, devem pensar que aquela atitude de Neymar, de mentir até a morte, seja a medida para balizar a moral da nossa sociedade, que em sua grande parte é educada pela televisão, sobretudo as novas gerações.

A sociedade brasileira vem internalizando paulatinamente a conduta oportunista, e o sentimento transmitido pela mídia, é como se esta fosse uma condição justificável por imputar benefício próprio e ser meio de autogarantia. O fato é que os meios de comunicação, como as novelas, os jornais, o governo, as práticas das instituições – sem generalizar – , querem legitimar isso goela a baixo, como se o errado fosse ser correto.

A mídia perdeu (ou nunca possuiu) a vergonha e, com seus sofisticados recursos de manipulação psicológica, é o mais poderoso instrumento de dominação utilizado pelos organismos de poder no incutimento de (des) valores, controle social e massificação de comportamentos. E a maioria das pessoas, cada vez mais esvaziadas em si mesmas, absorveram a mídia como referencial para se orientar.

Eis a faca e o queijo para a destruição das civilizações, do próprio homem. Agora, coisificado, virou mutante de uma sociedade condenada.

Por Anna de Oliveira – SRTE 4085/BA