Por Mauricio Galvão
Chacina. Massacre. Carnificina. Três palavras para traduzir um sobressalto mortal de poder. Um poder concedido pelo Estado. Um poder a serviço do capital. O caso Cabula, entre tantos, representa essa significação com total transparência. Os mortos no Cabula, segundo uma denúncia, planejavam assaltar um banco. Planejavam. Mas já foram interceptados. Alguns irão salivar – num ímpeto ignorante – e encher a boca para gritar que é bandido. E bandido tem que morrer. Tá com pena, leva pra casa. E o ciclo se repete.
Te proponho a fazer uma retrospectiva. Vamos voltar para anteontem, quando a maior liderança policial baiana, Marcos Prisco (PSDB), defensor ativo da desmilitarização, pediu a promoção por “bravura” dos PM’s envolvidos na ação. E mais um pouco, até a semana passada, quando o governador do estado da Bahia, Rui Costa (PT), transformou os assassinatos numa comemorada goleada. Dois dias antes, 18 execuções de homens rendidos, no Cabula. Um pouco mais distante, talvez. Barbante, 2009, 12 almas. Baixada Fluminense, 2005, 30 corpos. Candelária, 1993. Vigário Geral, 21 inocentes, no mesmo ano. Carandiru, 1992, 111 mortos. A maior parte de todas as vítimas desses episódios era negra. Em todos eles, policiais foram os assassinos. Revolta da Chibata, 1910. Canudos, 1896. Trezentos e cinqüenta e oito anos de escravidão desvelada. E todo o restante de uma história oculta e desmerecida. Muitos séculos do enraizamento de um discurso ideológico para justificar o alijamento do negro do sistema produtivo, dos valores culturais e da equidade moral. E ainda há quem ouse dizer que ser bandido, se escolhe. Sociologicamente, no entanto, essa nunca será uma opção individual, pois já é uma opção histórica. Uma escolha feita pelos donos do poder, sem consultar as vítimas de suas vontades. Mas o meu povo é forte, e demonstrou uma significativa capacidade de resistência e luta contra a exclusão social e o racismo. Não te peço que defenda, que inverta bruscamente o sentimento. Você foi condicionado a crer que o criminoso é imperdoável, e que, por acaso, geralmente é negro. Mas tente compreender como funciona esse maquinário da submissão étnica. Sua capacidade de transformação da realidade se expandirá com essa compreensão.
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