Nova Previdência discrimina evangélicos


Por Leomar Daroncho

A Reforma Protestante está completando 500 anos. Martinho Lutero, em 1517, questionou o poder papal e o monopólio na interpretação da Bíblia. O evento marca o rompimento com a Igreja Católica.

Nos nossos dias, é grande a controvérsia quanto ao percentual de evangélicos na população brasileira. Também é variado o tom das análises que procuram definir os impactos políticos e sociais dessa participação. Em geral, prevalece certa dose de má vontade contra os brasileiros que expressam sua fé por meio das igrejas cristãs desvinculadas do arco de poder da Cúria Romana. Esse preconceito é ainda maior no caso das igrejas neopentecostais, que se distinguiriam das demais pela menor rigidez nos costumes e pela “teologia da prosperidade”.

Dados do Datafolha do final de 2016 indicam menor escolaridade entre os evangélicos (34% contra 35% da população brasileira com o ensino fundamental) e menos ainda chegando no nível superior (15% contra 20%). Os dados também indicam que os evangélicos são mais jovens e desfrutam de menor renda familiar – 86% dos evangélicos têm renda inferior a cinco salários. A construção de templos em locais de fácil acesso, ou junto às comunidades de menor renda, é apontada como estratégia de crescimento de algumas igrejas.

Mas há consenso na avaliação de que o número de evangélicos cresceu muito. Dados do IBGE apontam que entre 2000 e 2010, o número de evangélicos aumentou 61%. Esse crescimento no número de fiéis já se traduz, inclusive, numa significativa participação no Parlamento brasileiro. A Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que reúne cerca de 100 parlamentares, identifica crescimento da ordem de 30% em relação à legislatura anterior (o número pode variar em função dos suplentes).

Ao Congresso Nacional, no final de 2017, foi posta a dura missão de deliberar sobre a proposta do governo – Proposta de Emenda à Constituição, PEC 287/2016 – que pretende dificultar o acesso aos benefícios da Previdência. Em alguns casos, a Nova Previdência que tem natureza política e tributária simplesmente impede a concessão de benefícios.

Sabe-se que desde o período imperial (1836) a Previdência se vê às voltas com tentativas de fraudes, golpes e com a alegação de que haveria déficits. Agora mesmo, estudos da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) indicam que, desde 1989, os governos só consideram no orçamento da Previdência as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores sobre a folha de salário. A explicação da Anfip acusa a manobra fiscal pela qual a contribuição do Estado no custeio do sistema instituído pela Constituição passou a ser denominada de “déficit”. Trata-se de contrapartida especificamente prevista na Constituição, com fontes próprias para o custeio. Assim, estariam sendo subtraídas do financiamento do sistema de proteção social, previsto no texto constitucional, parcelas de participação do Estado.

Ainda assim, mesmo que a ciência atuarial, com suas técnicas de análise de riscos e expectativas, indique a necessidade de ajustes, é uma decisão essencialmente política definir que setores, ou pessoas, serão sacrificados, diante da alegada falta de recursos.

As medidas propostas são duras. Muito duras! Pelas regras propostas, o trabalhador precisaria atingir a idade mínima de 65 anos e ao menos 25 anos de contribuição para se aposentar. Seriam necessários 49 anos de contribuições para o recebimento do valor integral.

Em janeiro, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou nota técnica afirmando que as restrições da proposta, que impõe idade mínima e amplia o tempo de contribuição, condenam “a maior parte dos trabalhadores brasileiros a não se aposentar mais”. Na avaliação do Dieese, a PEC 287/2016, que condiciona o recebimento do valor integral à comprovação de período de contribuição equivalente a 49 anos de trabalho, “aprofunda muitas desigualdades”.

Também são muito comuns entre os trabalhadores com menor nível de escolaridade a informalidade, o “trabalho por conta própria” e o subemprego. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) indicam que há pelo menos 10 milhões de trabalhadores informais no Brasil. Nessas situações inexistem registros e contribuições. São particularidades e detalhes que conduzirão, na prática, a obstáculos intransponíveis para alcançar os benefícios prometidos, em vida, ou reduzirão os valores recebidos.

O estudo assinala que o mercado de trabalho brasileiro é “extremamente desigual”. No ponto, remete a um dado óbvio: é muito difícil e pouco provável que os trabalhadores consigam contribuir, ininterruptamente, por quase cinco décadas para alcançar as novas exigências. O mercado de trabalho, especialmente para as funções que demandam baixa qualificação, é de alta rotatividade. É muito comum que haja a sucessão de períodos de trabalho, com registros e contribuições, intercalados por períodos sem contribuição para a Previdência.

A reforma tende a diminuir o estímulo a que esses trabalhadores passem a contribuir.

E as barreiras são, inevitavelmente, maiores para os menos instruídos, que desempenham as funções mais desgastantes, e para os mais pobres, candidatos preferenciais à informalidade. Nesse sentido, o Projeto discrimina o universo social em que, segundo as pesquisas, predominam os evangélicos.

Sendo aprovada a reforma, um futuro com misérias e privações talvez se apresente como horizonte mais provável para quem contribui e espera receber benefícios da Previdência do que a desejada prosperidade, em vida.