Por Fernando Gabeira
“Eu não sou água pra me tratares assim. Só na hora da sede é que procuras por mim.”
São versos de uma canção de amor desfeito. Mas revelam a maneira cotidiana como vemos a água num país que tem um quarto dos recursos hídricos do planeta: basta procurá-la na hora da sede.
Um motorista de táxi de São Paulo aproveitou o trânsito lento para me contar como foi a reunião do condomínio onde mora. No final, perguntou se não estava me chateando. Despedi-me sem dizer a ele que, ao contrário, estava me inspirando. Ver o tema da água invadindo as conversas, mudando hábitos, era presenciar o início de uma pequena revolução cultural vivida pela Califórnia, que reformulou suas leis, ou mesmo por Israel, que transformou a escassez de água em produção tecnológica que lhe rende muitas divisas.
Há oito anos, fui convidado pelo Greenpeace para falar na Holanda sobre os temas que poderiam inspirar suas campanhas. Éramos eu e um americano. Propus água, ele propôs as bombas sujas que o terrorismo estava produzindo. Senti que havia mais interesse pela bomba suja. Durante muito tempo, minha ênfase na questão da água foi enfadonha como uma reunião de condomínio. Com a seca, até as reuniões de condomínio são emocionantes. Em São Paulo, tomar um banho coloca questões éticas que sempre existiram, mas agora ganham um sentido de urgência. Estou consumindo mais do que devo?