Turismo e Cultura ganham novos horizontes após Audiência Pública realizada na Câmara de Ilhéus


Ainda há um abismo gigantesco entre as políticas públicas voltadas para os segmentos da Cultura e do Turismo de Ilhéus e a relação direta que especialmente a Prefeitura – independente de qual governo esteja no poder – mantém com os protagonistas destes dois importantes setores. Enquanto a cidade possui uma moderna legislação para abrigar e proteger os dois segmentos e fazê-los avançar, artistas e empresários se sentem desprotegidos, solitários, à espera de ações mais efetivas que possam fazer “a roda girar”. Para todos.

Essa foi a principal conclusão tirada hoje (12), durante Audiência Pública realizada pela Câmara Municipal de Ilhéus para discutir o futuro dos dois segmentos, tidos como fundamentais para o processo de crescimento da economia da cidade, especialmente no período da pós-pandemia. “Isso acontece por que ações isoladas não avançam. É preciso trabalhar em grupo”, resume o presidente da Academia de Letras de Ilhéus e representante Fundação Cultural do Estado da Bahia no evento, Pawlo Cidade.

Grupo de Trabalho

A audiência reuniu representações artísticas, políticas e empresariais de Ilhéus e foi considerada um absoluto sucesso pelo propositor, o vereador Alzimário Belmonte, o Gurita (PSD). Participaram ainda os vereadores Cláudio Magalhães (PCdoB), Kaíque Souza (Podemos) e Ederjúnior dos Anjos (PSL). Um Grupo de Trabalho começa a atuar já na próxima quinta-feira (19), a fim de elaborar uma estratégia de aproximação entre governo e sociedade, viabilizando ações que beneficiem os dois setores, com uma pauta definida e um objetivo planejado.

“O caminho é parar com a política de balcão e democratizar recursos por meio de edital, com lisura e com rigor”, opina a cantora e compositora Eloah Monteiro. Ao receber o convite para participar do evento, ela chegou a pensar em não comparecer. “Resisti, estava com a sensação de descrença”. A artista lembrou que em 2019 apresentou – e foi aprovado com apoio da Prefeitura – um projeto artístico colocando Ilhéus na maior rede de música autoral do mundo. O evento foi realizado. Mas até hoje ela aguarda o repasse a que tinha direito. “A arte é um desafio para todos nós. Eu só existo se eu mesma me financiar”, lamentou.

Ideia, ação e resultado

A mesma sensação de Eloah é partilhada pelo empresário Átila Eiras, presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (ATIL). “A cabeça do empresário é clara. Pensamos nesta ordem: ideia, ação, resultado. O plano existe. É praticar. Mas o sentimento é de que sempre estamos fazendo tudo de novo”, afirmou. Eiras destacou que, lamentavelmente, o potencial turístico de Ilhéus ao longo dos anos não saiu do lugar. “É o mesmo que ter uma Ferrari na garagem, ficar olhando pra ela e não andar com ela. É diferente de quem tem um fusca, anda e faz a roda girar”, comparou.

Liderança importante do terceiro setor, a ativista social, Socorro Mendonça, do Instituto Nossa Ilhéus, disse que mesmo diante desta realidade, a cidade precisa acreditar que um dia pode ser diferente. Ela destacou a audiência pública como uma oportunidade de mostrar ao poder público que a sociedade se preocupa com a cidade e quer acertar. “Para isso é preciso que tenhamos consciência do que está sendo adotado. Onde estamos e onde queremos chegar. As oportunidades e os desafios. E o que é mais importante: o que fortalece e o que nos enfraquece”, apoiou a artista popular, Janete Lainha, que defende a mesma tese.

Falta espaço

A cantora Laís Marques lembrou que é inconcebível que esteja num lugar com tantos artistas e que não se sinta parte dos espaços artísticos da cidade. O ex-vereador Paulo Moreira foi além. Para ele, faltam projetos bem elaborados e priorizar o que, de fato, possa ser elemento gerador de emprego e renda. “No Turismo, por exemplo, a realidade é que ele seja pensado como produto e não mais de forma amadora”, destacou.

Em geral, a maior queixa para o segmento do turismo é a falta de um calendário promocional fixo e a necessidade da melhoria de serviços na cidade, como o seu aspecto visual. “Uma campanha de limpeza pública não se restringe ao lixo que é retirado da cidade. Ilhéus começa da praia pra dentro. E as praias são abandonadas”, lamenta o empresário do ramo de hotelaria, Raimundo Júnior. Para ele, “as regras estão aí, mas a prática não é feita”.

Um outro olhar

Na cultura, o número limitado de espaços culturais e uma forma mais transparente na contratação de artistas, sem privilégios de grupos apadrinhados, são a principal queixa. “Não estamos dentro de uma caixinha. Não somos apenas academias. Somos grupos de dança nos bairros. A dança tem que ser vista uma ação física, educacional, artística e cultural. Estou aqui pedindo um olhar, espaços e oportunidades. Olhem para as praças, os espaços culturais, onde podemos nos apresentar”, reivindicou Bianca Lavigne, do Setorial de Dança.

Esta falta de estrutura é confirmada pela professora Sheila Carvalho. Há 20 anos a Associação Cultural Amigos de Morpheu, da qual é integrante, mantém uma quadrilha junina, representando o bairro Nelson Costa. “A gente ensaia no meio da rua, muitas vezes na chuva”, afirma. No restante do ano, ela assegura que a sua entidade tem projeto, mas não tem espaço para desenvolvê-los.

“Nadando contra a correnteza”, o diretor artístico Ed Paixão toca, com parcos recursos, a construção de um Centro Cultural no populoso bairro Nossa Senhora da Vitória, na zona sul. Metade da obra já está levantada. O centro cultural será um ambiente de formação artística. “O que queremos é parar de digitar o nome do bairro no Google e só aparecer fotos de jovens negros assassinados”, afirmou.

Protesto

Mas se por um lado, o projeto segue firme, por outro Ed se sente sem voz na sociedade. Aproveitou a audiência para protestar e entregar sua carta-renúncia como membro do Conselho Municipal de Cultura. Segundo informou, trata-se do terceiro conselheiro a tomar esta decisão. E o motivo é sempre o mesmo: falta de apoio. “A arte e cultura não estão aqui para mendigar. Elas existem. Precisam ser fomentadas”, protesta Taíná Melo, membro do Fórum Permanente de Cultura. “Turismo não se faz com pessoas amadoras. Precisamos passar desta fase, passar para outro patamar”, reivindica Edson Alves, estudante de Gestão de Turismo no IFBaiano, em Uruçuca.

Manto da invisibilidade

“A população não vive o turismo. Acha que o segmento ganha dinheiro sozinho na cidade. Mas é importante destacar que o dinheiro circula, beneficia a todos”, defende Jorge Fonseca, presidente da Associação dos Cabaneiros da Praia do Sul. Já o membro do Membro do Movimento Cultural Povos de Terreiros de Ilhéus, Egbon (irmão mais velho) Alaboji, queixa-se do número de jovens negros mortos e de casa de religião depredadas por conta de atos de intolerância religiosa. “Nosso pedido é para rasgar o manto de invisibilidade que nos assola”, protesta. “Que a sociedade tenha um olhar para o gospel como forma de cultura real”, reivindica o músico Anderson Silva, da Associação dos Músicos Evangélicos de Ilhéus.

O fato é que a Audiência Pública de hoje deu vez e voz a diversos setores da cultura e do turismo de Ilhéus. A partir de agora, o grupo vai trabalhar para que, de forma coletiva, essas reivindicações ecoem pelos corredores dos poderes públicos e, juntos, possam construir um novo ambiente para os dois setores, considerados grandes alternativas para que Ilhéus possa avançar a caminhos dos seus 500 anos. “O Turismo, de fato, nesta pandemia, foi o primeiro setor a ser atingido e o último a retornar. Façamos deste retorno o recomeço. Mas é preciso, também, começar a agir, de definir prioridades e quando novos recursos chegarem, sabermos como e em que vamos investir”, destaca Margareth Araújo, superintendente do setor na Prefeitura. “A sociedade é quem deve fazer a cultura. O nosso papel é de estabelecer mecanismos para que isso aconteça”, reconhece a superintendente de Cultura do município, Jennifer Horrana.

A Audiência Pública também homenageou, com um minuto de silêncio e aplausos, o produtor, gestor cultural e regente, Letto Nicolau, que faleceu na noite de ontem, vítima de um infarto. Letto é fundador da Sociedade Filarmônica Capitania dos Ilhéos, um dos mais bem sucedidos projetos sociais do município.