Adoção de pessoas: a roda parou de girar com a pandemia, alertam autoridades em Audiência Pública da Câmara


A política nacional de adoção de pessoas vive uma situação de esfacelamento. A declaração é da promotora Maria Amélia Sampaio, feita durante Audiência Pública realizada pela Câmara Municipal de Ilhéus, na manhã desta quarta-feira (26), evento que marcou o Dia Nacional da Adoção, ocorrido ontem (25). “A roda parou de girar por conta da pandemia e da necessidade natural do distanciamento social”, destacou a promotora, informando ainda que, na Bahia, em 2019, foram oficializadas 61 adoções. Em 2020, o número caiu para 26. E, agora, em 2021, até o momento, apenas quatro adoções foram oficializadas.

Mesmo diante desta realidade nacional, a representante do MP assegura que a rede de acolhimento em funcionamento em Ilhéus conta com bons profissionais e com a Prefeitura oferecendo um bom serviço, mas tendo que avançar. A Audiência Pública que discutiu o tema foi proposta pelos vereadores Enilda Mendonça (PT), Alzimário Belmonte, o Gurita (PSD) e Vinícius Alcântara (PV). “O objetivo foi atingido: falar sobre adoção e compreender como funciona o processo. Dar maior conscientização e visibilidade ao tema e é isso que estamos fazendo com esta iniciativa”, destacou Enilda.

Entendimento e participação

O vereador Vinícius Alcântara assegura que, a partir de encontros como este, onde se conta como funciona a dinâmica, é possível o parlamento entender a forma de costurar as ações que defendam as crianças e trabalhe em conjunto e com efetividade com as demais instituições. “Temos, portanto, a oportunidade, a partir desta reunião, de montar um grupo de trabalho com olhos a tudo que está acontecendo. Conectar o que ainda não foi possível estar conectado”, afirmou. “É preciso avançar”, reforça o vereador Ivo Evangelista (Republicanos). “Procurar os caminhos e as políticas públicas para que estas portas sejam abertas para iniciativas inovadoras e de sucesso”.

Juíza da Vara da Infância e Adolescência, da Comarca de Ilhéus, as doutora Sandra Magali Mendonça destaca que quando se fala em adoção que o que se busca, em primeira mão, é manter a criança na sua família de origem. “A Vara da Infância não trabalha para aumentar o número de adoções. Mas que a criança esteja, de fato, protegida na família”, afirma a magistrada, acrescentando que Ilhéus precisa de campanhas que visem o enfrentamento do preconceito com relação às crianças e adolescentes acolhidos e adotados.

Repúblicas para a maioridade

Uma questão que a magistrada considera “gravíssima” diz respeito aos adolescentes que não são adotados. Segundo ela, o ponto crucial ocorre quando os adolescentes completam 18 anos e não podem mais permanecer na rede de acolhimento pelo fato de se tornaram adultos. “Esses jovens não têm condições de se bancar. E aí vivenciamos o problema: não ter repúblicas, instituições destinadas a pessoas egressas das instituições e que não podem ser jogadas nas ruas”.

O tema também foi destacado pela coordenadora da Casa Lar Feminina, Sayonara Oliveira. Na casa vivem sete meninas, todas adolescentes entre 12 e 18 anos, protegidas e tendo restabelecida a garantia de seus direitos. “Entre elas e entre a gente há uma angústia do que vai acontecer ao completarem a maioridade”, afirma. Para o coordenador da Defensoria Pública em Ilhéus, Leonardo Sales, a adoção em Ilhéus perpassa por um problema nacional. Ele explica que no site do Conselho Nacional de Justiça há 8.473 crianças cadastradas para adoção e os pretendentes chegam a 46.390. “Não deveria existir problema, não é? Mas o problema é que há a exigência quanto ao perfil da criança. Muitos pretendem adotar a criança que não existe: em geral branca, sem problemas de saúde, sem irmãos”.

Ato de amar e de ser amado

A autoridade defende a realização de uma campanha para mudança do estereótipo na cultura da população. “Defendo uma campanha que mostre que adotar é um ato de amar e proteger, mas, também, um ato de ser amado”, afirmou. A também Defensora Pública, Flávia Amaro da Silveira, revela que ainda falta a conscientização da população sobre a questão da entrega para adoção. Há muita entrega irregular, segundo informa. “É preciso explicar que entregar uma criança para adoção não é crime. Mas tem que ser buscada a legalidade do processo. Com acolhimento e orientação de como deve proceder”, completa.

A juíza Sandra Magali propõe a criação da semana municipal da adoção em Ilhéus; criação de uma lei municipal visando a utilização do nome social do adotado, enquanto a adoção estiver em curso; a realização de campanhas instrutivas para entrega legal de crianças, incentivo de adoções menos desejadas, enfrentamento ao preconceito à crianças e adolescentes acolhidos e adotados; a retomada e reestruturação do projeto de apadrinhamento afetivo; a regulamentação legal do Fundo da criança e do adolescente; e a formulação de uma lei prevendo a criação do acolhimento familiar. Ainda, destaca a necessidade de priorização de vagas para estágio ou menor aprendiz para adolescentes atendidos pelo programa; a implementação de Repúblicas para jovens egressos do acolhimento; e implementação de comunidades terapêuticas para jovens egressos da rede de acolhimento e com transtorno mental.

Grupo de Trabalho

Durante a Audiência ficou decidido criar um Grupo de Trabalho para discutir como o Poder Legislativo poderá contribuir com a questão da adoção em Ilhéus. O Papel do GT será de ouvir e ter representação, mediar o diálogo entre a rede de apoio e o Executivo. Há também medidas que podem partir da própria Câmara, a exemplo de Projetos que priorizem jovens adolescentes a ingressarem em estágios ou mesmo com o perfil de primeiro emprego nos órgãos públicos.

O presidente da Câmara, Jerbson Moraes (PSD), anunciou que já está elaborando uma resolução que visa homenagear com o reconhecimento de “Honra ao Mérito”, pessoas e entidades que desenvolvam um trabalho voltado ao estímulo da adoção, especialmente à adoção tardia (jovens e adolescentes). Uma comissão irá identificar as inciativas, analisar o seu nível de comprometimento e uma solenidade de reconhecimento ocorrerá anualmente no Plenário da Câmara para divulgar os exemplos positivos. “Todas as ações dos vereadores ligadas às questões sociais estarão sendo estimuladas por esta presidência por que, de fato, é este o papel que temos de cumprir”, assegurou.