Pandemia potencializa sofrimento por luto ou medo de morrer


Processo de finitude é tema recorrente em consultórios psicológicos após o coronavírus.

 

Com mais de 100 mil mortes em decorrência da Covid-19 no Brasil, o luto tem sido um tema frequente nos consultórios psicológicos, demonstrando o sofrimento psíquico gerado pela pandemia. De acordo com especialistas, a cada morte cerca de dez pessoas sofrem o impacto dessa experiência, o que é agravado, já que essa é uma doença com morte solitária e que impede a vivência dos ritos de despedidas. No entanto, as sequelas da pandemia são ainda maiores.

A crise atual também potencializou o medo de morrer e gerou reflexão sobre a finitude. “Percebemos uma fala mais constante dos processos de morrer e do luto. Falar de morte deixou de ser um tabu, o que por um lado é positivo, já que é saudável compartilhar essa angústia. Contudo, também pode gerar sofrimento psicológico”, explica a psicóloga clínica Jocelma Prates, fundadora da plataforma OiPsi.

Quando a perda é real é ainda mais importante vivenciar e desabafar sobre a dor de perder alguém, o que evita o desenvolvimento de transtornos relacionados a essa experiência traumática. “Mesmo que cada um sinta a dor de perder um ente querido ao seu modo, vivenciando as fases (negação, barganha, depressão, raiva, aceitação), poder elaborar o luto é um potente fator de organização emocional para um retorno mais equilibrado às atividades da vida”, pontua a especialista.

Por isso, é aconselhável não disfarçar a tristeza, já que essa é uma emoção natural que pode ser externada a partir do choro. De acordo com a psicóloga, controlar esse sentimento só vai adiar a dor, prolongando o processo de luto. Outra orientação é manter breves conversas sobre a pessoa que faleceu, acessando as lembranças de momentos compartilhados com ela, o que faz com que as recordações agradáveis substituam a dor da perda. Além de reconfortar, essa atitude ajuda a ver sentido na continuidade da vida.

Quem está próximo de alguém de luto pode colaborar, garantindo o tempo necessário para que a pessoa vivencie essa dor. “É importante dar tempo ao tempo para que cada um passe por esse processo sem pressão. Somos pessoas singulares que interpretam as experiências da vida de modos diferentes. O tempo de elaborar o luto é indefinido, mas pode ser melhor organizado sem pressão”, recomenda Jocelma Prates.

Contudo, caso esse período se prolongue ou esteja atrapalhando a rotina produtiva e saudável da pessoa, é indicado procurar assistência psicológica para prevenir o desenvolvimento de transtornos emocionais e comportamentais que possam prejudicar o retorno gradual às atividades da vida.