Escrever: a terapia da razão


Por Mohammad Padilha

Não é incomum para quem escreve ver-se compelido pela necessidade de escrever e de produzir muito e depressa. Sairmos da letargia e, lentamente mirarmos as palavras como se fossem flechas que devam atingir certeiras os alvos cernes das emoções, e que nenhuma delas caia sobre o barro ou a pedra onde não ecoam compreensão e sentimentos.

Para escrever rápido e fluente é preciso termos pensado muito sobre o tema, ter debruçado sobre as ideias inspiradoras, termos levado o assunto ao passeio, ao banheiro, ao barzinho, ao restaurante e até às vezes à casa da namorada. Já dizia E. Delacroix enquanto degustava palavras; “A arte é uma coisa tão ideal e tão fugitiva que as ferramentas nunca são bastante apropriadas nem os meios bastante expeditos”. E isso acontece na literatura tanto quanto na pintura, no cinzelar de uma escultura quanto ao escrever uma partitura musical.

Algumas pessoas que conheço e que escrevem por impulso, por necessidade, por profissão, começam por carregar montes de papéis, rabiscos e esboços imaginários escritos sobre quase tudo que lhes ofereça uma face plana ou flexível. Eles chamam isso de cobrir sua tela; as tintas que as preenchem são o imaginário das palavras com a coerência e harmonia das razões. Essa operação confusa tem por objetivo não se perder nada daquilo que intuíram no esboço mentalizado com todos os elementos literários. Mas ainda assim, depois de lerem, relerem, copiarem, seus criadores, compulsivos, ficam cortando, podando, reinserindo e desbastando palavras e os ímpetos das emoções que elas infligirão àqueles que as lerem. Mesmo que o resultado seja considerado excelente e satisfatório, todos continuam abusando do tempo e do talento como se fosse algo inexaurível em busca da perfeição.

Cobrir a frieza de uma tela branca com o impressionismo de uma inspiração, não é o mesmo que sobrecarrega-la com cores pastéis esparramadas a esmo sobre a paleta, mas sim esboçar bem de leve, dispor as tintas em tons ligeiros, transparentes e harmônicos. A “tela” deve ser coberta – em espírito – naquele momento em que o escritor toma a sua caneta para escrever. E o habito de ler, ou começar a ler, é como iniciar-se no vício do cigarro, do absinto, do amor… Depois da primeira leitura, ficará muito difícil conter a vontade de mergulhar novamente no imaginário de um bom texto, livro, poema…

Escrever não é como cantar, discursar, instruir em voz alta, admoestar, arguir; quando o som produzido invade os espaços aéreos e, impositivamente, os ouvidos dos interessados tanto quanto àqueles incomodados com o som e o conteúdo da oratória, da letra musicada, etc. Ler implica critérios inimagináveis, além da emoção que incide sobre o leitor quando decide escolher sua leitura. E aqui nos perdemos em característica, temáticas e estilísticas, tipo linguagem técnica, coloquial, intimista; preciosismo linguístico, rebuscado, sofisticado e às vezes até pedante. Por isso ler é algo estritamente singular, pessoal e exclusivo. É como escolher uma parceira ou parceiro para uma grande e longa aventura numa viagem ao redor do mundo das emoções.

Somos como mata borrões antigos. Nós absorvemos ideias e conceitos enquanto lemos. Quando lemos, uma pessoa pensa por nós: apenas repetimos o processo mental, do mesmo modo em que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a caneta o que seu professor fizera a lápis. Quando lemos, somos dispensados de pensar. É por isso que sentimos alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa mente é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta? Em contrapartida, quem lê muito, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar em nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. Esse é um exemplo clássico dos chamados “eruditos”: leram e ficaram burros.

Este breve “epílogo” é para quem ainda não começou a ler e aos que não experimentaram o privilégio de escrever, mesmo que para si mesmos. Tem gente que escreve apenas por notoriedade; outros por exposição na mídia; alguns pra exibir intelectualidade, outros para mostrar conhecimentos sobre o Português e ate o português da padaria. Mas na verdade escrever é interagir com o próprio “eu”, libertá-lo às vezes, ouvi-lo e deixar ser ouvido por ele. Confesso sem pudores que escrevo por terapia. Não para libertar diabinhos que muitos escondem nos armários, mas para saber que estou vivo e como estou reagindo com o mundo à minha volta. Leia; escreva, você vai se surpreender com você mesmo, positivamente.