Não precisamos de inimigos


Por Julio Gomes

Ninguém faz greve porque gosta. Fazer greve dá  trabalho, gasta dinheiro, cria tensão entre chefes e subordinados, até mesmo entre os próprios trabalhadores. Além disso, acumula o serviço e, para aqueles que recebem mediante produtividade, torna-se um fator de perda de dinheiro.

Entretanto, quando uma categoria entra em greve, seus membros têm, pelo menos, a obrigação moral de aderir, pois além de ter sido deliberada pela maioria em assembleia, os ganhos advindos do movimento grevista serão usufruídos por toda a categoria, indistintamente, pelo que não é justo “furar” uma greve para, posteriormente, beneficiar-se de suas conquistas imerecidamente. As greves, como se vê, têm sua própria ética e sua própria dinâmica. Convém respeitá-las.

Pois bem, esperei a greve dos servidores e professores públicos municipais acabar para escrever este artigo. Respeitei todo o período de greve, cumprindo rigorosamente a deliberação de abstermo-nos de trabalhar, e não gostaria que o presente artigo fosse interpretado como um desincentivo ao justo movimento grevista, que reivindicava junto ao Executivo municipal a reposição das perdas salariais do último período.

Mas é necessário tecer alguns comentários e, se possível, chegar a algumas conclusões.

Primeiro, devemos atacar a ilusão de que os serviços serão repostos. Em regra, não serão. É impossível.

As consultas médicas não realizadas, as roçagens não feitas, os serviços burocráticos não executados, os remédios não despachados, os processos administrativos que não foram protocolados ou encaminhados, não serão feitos retroativamente e, salvo exceções, muitos desses serviços não serão feitos jamais. O que ocorreu foi a perda de dois meses de trabalho, de serviços e de progresso. Dois meses de puro e simples atraso de vida para a população.

Da mesma forma, as aulas não serão repostas, senão formalmente. O aprendizado encontra-se irremediavelmente prejudicado, da mesma forma que ocorreu com a rede de ensino estadual no ano passado, quando a irresponsabilidade do Governo Estadual fez com que uma greve da educação se estendesse por quase 120 dias.

Aulas aos sábados ninguém comparece, nem alunos, nem professores; e depois de 20 de dezembro, durante a reposição de aulas no período de férias, os alunos vêm para a escola com tanta má vontade que o aprendizado se torna uma missão quase impossível.

Entretanto, diante de governos que não ouvem, não respeitam, nem negociam, professores e servidores, infelizmente, não tem outra opção senão a greve.

Em Ilhéus, até o presente momento, os funcionários e professores municipais não obtiveram nem mesmo a reposição das perdas inflacionárias do período, em torno de 6%. Isso que dizer que cerca de 5.000 servidores e suas famílias tiveram 6% de perda real do poder de compra do salário só neste ano, o que prejudica não só a eles, mas ao comércio e à cidade.

Vamos agora, já estabelecidos os fatos, fazer uma projeção desta situação para os próximos três anos, período de duração do mandato do atual prefeito.

Como servidores e professores não conseguem obter sequer a reposição das perdas salariais, é lógico, compreensível e justo que tenhamos dois meses de paralização da Prefeitura por ano, em média. Ao final de quatro anos de governo teremos perdido, irremediavelmente, oito meses de serviços públicos. Oito meses – ou quase um ano – em que o Município, simplesmente, não existiu.

Seguindo o mesmo raciocínio, como o atual gestor municipal se obstina em não conceder sequer a reposição inflacionária do período, ao final dos quatro anos do atual prefeito os servidores e professores terão acumulado uma perda real do poder de compra de seus salários em torno de 25 a 30%. Estarão, ao final do mandato, quase 30% mais pobres.

Tais fatos, é obvio, se refletem negativamente sobre o comércio, sobre as empresas privadas, sobre a dinâmica econômica e o quadro social de nosso município.

É importante dizer isto porque, quando observamos que Ilhéus não cresce – apesar de o Brasil e a Bahia estarem crescendo no mesmo período – tal fato tem causas, tem origem em decisões e políticas públicas nefastas, que nos infelicitam a todos.

Nosso prefeito certamente entende que saiu ganhando neste episódio. Só que a cidade toda perdeu: comércio, turismo, indústria, estudantes, idosos, pais de alunos, servidores, pacientes, moradores da periferia, do centro e do interior do Município, portadores de patologias, crianças, ambulantes, enfim, todos.

Como se vê, nós não precisamos de inimigos.

Julio Cezar de Oliveira Gomes – Professor, graduado em História; e Advogado, graduado em Direito, ambos pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.